segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Sem título 7

Sem título 7


Devorei pulsos em chamas.
Amplamente o rosto envolto por coágulos de sangue luzidio
a trespassarem as veias estanques como a enrolar
as cores existentes
por dentro.
Certo é percorrerem
todo esse ar
que engole o corpo celeste mergulhado
na textura do nosso corpo temporal.
Fico com as mãos
cheias de ossos trancados.
Levanto
a cauda de um espelho
e alongo as vísceras astronómicas,
com bastante força química,
a dilatar numa circulação sanguínea
até a leveza
da garganta se alagar
na sombra líquida
das artérias
contra o alto esquecimento das coisas profundas,
contra os tendões severos a racharem a boca desvairada.
Relembro quando adormecia
sobre todas as
coisas vivas ou mortas
por fora.
Submetia os lábios
a girarem a voz louca
ao lume pedestre
e ardia pelo estremecimento terrível
dos nervos cabeça adentro,
donde múltiplas
estrelas demoníacas
a baterem-se em mim longamente
param, a pouco e pouco, a potência que nunca me sorriu
e vago ou inocente deixo de caber
nos sítios superficiais
à minha volta.
Releio todas as cumplicidades translúcidas
a moverem toda a pele num feixe de pérolas
das salgadas mãos,
aos braços a escorrerem aquele alimento
metidos nas águas sentadas
no túmulo dessas estrelas tubulares.
A destreza deste poema extingue-se quando as unhas
tocarem na carne abaixo, rompendo,
com sinceridade,
a desvastação simbólica
da escrita furibunda
ou silêncio furibundo
a pesar com delicada melancolia.
Ouço o rasgão
do corpo a sangrar
com os tecidos dos versos
a palpitarem porque se nomeiam
e se escrevem dentro
da pulsação ininteligível.
Por cima,
devoro os pulsos em chamas.

Filipe Marinheiro (Aveiro, 1982. Portugal)
«Em Dezembro de 2013, publiquei o meu segundo livro, Silêncios, com a Chiado Editora.
Livro que cria náusea e dor no leitor, ao reviver todas as experiências de vida e de morte e o seu questionamento. Silêncios ondula entre o tom alegre e o melancólico. Evoca uma linguagem de pureza e suavidade que abre vórtices para o tangível e o intangível, entre passagens viscerais até atingir percepção absoluta da beleza inimaginável. Dá ar e_vida, sangue e respiração… e essa respiração é dicotómica: tanto é ofegante como também abranda, dando pois uma_vida e um pulsar do coração a objectos e coisas invisíveis e inanimadas.
Ao percorrer essa beleza que é palpável e impalpável, rasa como que num estilhaço, todos os elementos da natureza e todas as suas paisagens. Uma poesia irrequieta, recalcada, vivenciada numa doçura triste que flutua entre o oxigénio e_o_dióxido de carbono do dia e da noite.
Poesia em estado selvagem, rebelde. Cada poema que faço é uma busca incessante do silêncio definitivo, alegoria para o local da paz. Procuro rebentar com toda as canonicidades de alguma da literatura actual.
Para mim, só existe o acto de escrita enquanto escrita em si, como pensamento livre. Tudo o resto é literatura… e o_acto de leitura e interpretação deve ser igualmente livre, cada pessoa deve tirar a sua própria ilação, procurar os_seus próprios silêncios. O mesmo poema poderá ser límpido ou compacto, dependendo dos olhos de quem o lê.
A poesia é um jogo de estados de espírito… aliás, eu não sei o que é a poesia, não sei defini-la. O acto de escrever poesia é simplesmente um jogo de estados de espírito reflectidos num espelho metido para dentro e para fora. A_palavra e a linguagem são meros instrumentos. Dialogando diariamente com ela, espero continuar sem saber o que é a poesia e muito menos o que é ser-se poeta! Se pela força da vida algum dia souber defini-los, estarei louco ou_morto.»
Página de Filipe Marinheiro no site de Chiado Editora:
http://www.chiadoeditora.com/index.php?option=com_content&view=article&id=1518:marinheiro-luis-filipe&catid=62:m
(Públicado em Elipse núm. 3)

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