domingo, 29 de maio de 2016

Arduina

Arduina


Poucas cousas são verdade.
É verdade o pão, o suor das mãos.
O calor do forno, a preguiça da alva.

Celso Álvarez Cáccamo

Começou a sentir as dores, umhas águas mornas escorriam-lhe entre as coxas. De novo estava sozinha como sempre, nengumha pessoa sabia nada do que lhe estava a acontecer. Colheu um pano, enrolou-no e mordeu nele com todas as suas forças. As báguas caíam-lhe como pingas de um orvalho de sangue, nom havia nem tinha ninguém que lhas enxugasse. Nunca tivera o quentor de um agarimo, até que apareceu ele. Foi o primeiro e único homem de quem escuitou umha palavra de ternura, de quem recebeu um sorriso...
Escrequenou-se para facilitar a saída, debaixo tinha uns lenços por se o que vinha lhe escorria das maos, o seu corpo estremecia-se entre dores e aguilhoes... Já estava, a sua cabecinha abria-se caminho, outro ou outra dos condenados da Terra. Ofegava em silêncio, por um intre sentiu umha doira de água geada no seu coraçom. Seguia em cócoras e escarranchou-se todo o possível, naqueles momentos o quarto parecia-lhe um_mausoléu.
Nom lembrava quando começara a trabalhar. A_sua memória dizia-lhe que desde sempre. Desde menina indo apanhar guizos nas touças, de criada guardando as vacas nos pasteiros ou no monte, fosse verao ou inverno. Quando o gieiro convertia as pucharcas em pedras de gelo, mejava dentro das socas e nas suas maos para nom estarrecer de frio. Nom recordava bem como fora, um dia fugira da miséria daquela aldeia perdida entre gândaras e_penedias indo-se colocar de criada em Ourense, e ainda ai iam os antigos amos com os que se criara para lhe pilhar as quatro cadelas que cobrava. Ali conheceu a Ester, fizeram-se amigas pois as duas serviam em casas do mesmo edifício, porta com porta. Ademais pintaram-se bem umha à outra. Um_dia numha dessas conversas confidenciais no_limiar do prédio, contou-lhe o que lhe acontecia com quem a criara, e assim foi como lhe pugérom o_ramo à obra: as duas colhêrom caminho e vinhérom varar à Corunha para deste jeito ela se ceivar daquela servidume.
Estava de novo sozinha. Mazmida, cortou com umha pequena navalha o cordom umbilical, lavando depois numha palangana o recém nado: agora os choros eram  tanto do bebé como dela. De_súpeto todo mudara, nom faria o que tinha cismado durante meses, o de entregá-lo em adopçom. Seria mae.
Eram os tempos do apogeu fariseu e clerical, do zénite da Santa Cruzada Nacional. De ali a pouco apareceria a patrona da pensom mas agora sentia-se forte e nom tinha medo. A pesar da cativez do seu jornal, fizera uns pequenos aforros que lhe vinheram bem para alugar aquele quarto, ainda poderia aguantar dous ou três meses mais sem trabalhar. Logo iria-se a Barcelona onde Ester estava de cozinheira desde havia mais de um ano. Quando se viu abandonada e já estando para parir, escrevera-lhe. Era como se precisasse de alguém achegado para nom ficar sozinha naquele bulheiro... nom tinha mais ninguém. A sua amiga respondera-lhe havia um par de dias oferecendo-lhe a sua ajuda e dando-lhe o seu endereço; à vez avisava-a de que iria recolhê-la na estaçom do comboio. Lá começaria de novo e tiraria da vida, criaria o seu filho até fazer dele um homem de proveito.

José Alberte Corral (Galiza)
Publicado em Elipse 4 e incluido no livro Buracos no espelho.

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