sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

Tenho uma pérola...


tenho uma pérola de espinhos a circular ligeiramente desmaiada
dentro do sangue
e todo geométrico sangue sai pelas guelras fora
gesticulando
na profundidade etérea
da minha garganta contra a radiação solar
e nas poças transparentes do pulmão
um fumo astronómico a inclinar o outro pulmão
que baila peito acima e abaixo
numa fúria
em forma de trovoada
as genialidades que mais amo estão viradas para o avesso
e essa pérola de espinhos
chora dulcíssima com todo o seu génio
sobre choques térmicos deste frágil som eléctrico
e um trémulo bolor solta-se
como repuxos abruptos
depois subo tantos degraus quantos tombo enrolado numa treva
em delírio adentro no incêndio deste crime
roubo o futuro da luz
e das cidades sem qualquer desvastação
ou beleza
que magneticamente racha o ilusório nocturno lugar
como a pancada desse sangue brutal
compõe esses espinhos formidáveis até colocar as pérolas
em cima da boca sedutora e doce
e a garganta em chaga aniquila todos os espinhos e pérolas
desaparecendo-os
um por um
destes movimentos muito quentes
estrangulando-se sem memória nem coração

Filipe Marinheiro (Aveiro, 1982. Portugal)
«A poesia é um jogo de estados de espírito… aliás, eu não sei o que é a poesia, não sei defini-la. O acto de escrever poesia é simplesmente um jogo de estados de espírito reflectidos num espelho metido para dentro e para fora. A_palavra e a linguagem são meros instrumentos.»
Ouça o poema en voz do seu autor:
https://www.youtube.com/watch?v=FRNfxUvMTEs
Publicado em Elipse 5. Fevereiro de 2015.

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

Augas de berilo


(Colección variada de poemas)

Paseniño, amor.
                    Un camiñar discreto
polas estrelas


***


Sobre as pedras
vibrantes do lago
das bágoas sen fin,
a cinza
das pólas en outono,
as pernas abertas,
nin por un amante,
nin por un fillo,
trocan en arco sobre o río
desa substancia
esa negra
que todo destrúe (pode que non)


***


Son lentas as caricias,
morno o paso do tempo
empapado en poetas


***


A túa pegada
semella a luz
ponte
entre as estrelas
Mañá gris
estala en lume,
arden os ventos,
as trabes e fiestras.
Fuxe a fume
entre o gres verdoñento
e regresa ó ceo
para escurecelo.

Tan só nun minuto.


***


Da face branca
e a man negra
á maza gris dá
 raza florida


***


Anestesia  en bágoas
Os ollos,
bandeiras
a media asta,
esquivas dádivas,
esperanzas.

(Bela a luz do sol
entre as pedras)


Iria Beltrán Gonzalo (Vigo, Galiza)«“En si está a súa esencia verdadeira. (...) Como sei que todo procede del? Por El mesmo.” Lao Tse.
Augas de Berilo, do que aqui se amosan uns anacos, é un poemario ou colección de poemas, que recolle unha serie de cavilacións acerca dos procesos da Natureza e introduce unha sorte de reflexos, de ruínas, ós ollos e oídos. O mundo é tomado coma unha sombra enteira, sen cova de Platón, dende a observación un tanto distante e asemade “arqueolóxica” dos naceres, dos praceres, das dores e das mortes que, nun momento concreto, aparecen á memoria coma reliquias de realidade.»

(Publicado em Elipse 5. Fevereiro 2016.

terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

Como se fosse a última pomba da liberdade


I


Quando me cheguei ao Porto em 1 de Maio/73, tomei consciência da Revolução. Bem dito, será dizer pré-revolução. Digo isto agora, porque ela nunca namorara o meu gado. Aliás, parece que nunca se viu que um contrabandista de gado, sempre aqui nesta terra, tomasse algum dia, conhecimento dela. A procura era outra, vender e comprar . bovinos, entre este Portugal e Galiza.  Negócio herdado de meu avó paterno, por aqui prosperava na pequena quinta. Que fica esta aninhada no sope da serra de Arga, Alto Minho.

Aqui nasceu Gabriel Fernandes, por ca cresceu e foi meu amigo. Seus pais sempre foram considerados fidalgos, não por brasão, sim pela esbelteza  e educação de boa família. Destoava apenas o rapaz, que era um Inquieto e metediço em vidas alheias, tanto aqui, que saltava as janelas das casas na espreita de cenas amorosas entre conjugues, como na cidade para onde foi estudar, a reboque dos pais. Pois na cidade cedo lhe deu na cabeça para espreitar 0 Governo, o de Marcelo. Intelectual, atolou a cabeça com livros políticos, cartilhas gordas de dogmas, ate que lhe deu em transcrever : frases feitas e mais tarde distribuir panfletos contra 0 regime, … que diziam fascista, colonial. Alguns papeis aqui ele deixava, sempre que vinha visitar-me. Nunca os lia, a minha leitura preferida era outra: aquelas que 0 abade distribuía  na missa nas manhãs escuras de domingo. Pois em 1 de Maio fui a cidade. Aí hospedo-me em casa de Gabriel. Se era apenas diversão 0 que me empurrava para a cidade, também desta sorvi empurrões e turbulência. Nas ruas vi multidões aos gritos «Abaixo o fascismo, viva a Democracia». De momenta acreditei serem preces a algum santo milagreiro, como aqui acontece nas rezas do povo; e preces foram, mas contra o regime. Quem me disse isto foi Gabriel e explicou-me o porquê de eu vêr chegar carros celulares e de agua, policia e paisanos. Vimos então prender revoltosos, enquanto o meu amigo Gabriel ditava ordens à toa, não sei para onde, e não chegou a ser preso.   A quem lhe aconteceria Isso, era a uma jovem que não conseguia segurar a muleta debaixo do seu corpo. Acabara de atirar uma pedra a um paisano de cassetete na mão, que o deixa prostrado e virado do avesso. Com dificuldade desviei-a daquela turbulência maldita. Em casa do meu amigo,  os três falamos, cada um da sua justiça.

Foi tempo de regressar A serra.

Porém, em questões de politica tudo tinha outra seriedade, Reuniões politicas, pichagens nos muros das fabricas, panfletos, etc. Nas seguintes, misslvas de rotina e beijos de Susana que tinha muitas saudades minhas. Trocamos alguns na única vez em que aqui vieram passar férias antes de 25 de Abril. Moça liberal nestas coisas e decidida nos actos, não enjeitou possibilidades, quaisquer que fossem os ciúmes de Gabriel, em ter algumas intimidades com este parolo, que eu sou. Foi num desses dias que Susana desejou ir comigo no veículo até as raias de Galiza; depois, por montes a custo fui levar gado para venda. Negócio concluído e par lá ficamos duas noites. Que se digam de aventura. E a vontade de regressar a quinta esmorecia-se ap6s cada Ioucura de amor. Como ela era a primeira mulher que eu jamais conhecera, integralmente. Quente, modelava-se em frangalhos em toda a curvatura do seu corpo. De pêlo preto abundante, como se fosse um oásis no imenso deserto, a sua púbis reluzia como qualquer chamativa miragem. Dava até pena atravessá-Ia, dava gosto deitar aí a cabeça e ouvir o murmurar frouxo e Iíquido duma explosão lascívia, E a voz!? As palavras soltavam¬-se como bolotas duras, saltitavam sobre o meu corpo, contudo em nada ficariam mal se as comparássemos com o palrar duma criança. Eram sons melódicos que, articulados, faziam mover os raios dos seus olhos escuros, os quais pousavam naquelas faces de pele sedosa mas de tez morena. Nessa aventura Susana proibiu-me de lhe tocar nos seios: rompiam-lhe em vulcão naquele tronco esguio; afectariam qualquer invisual ou plantígrado táctil que ousassem constatar semelhante rebento da natureza. Que não foi correcta, também se diga. Com que intuito ela danificara aquela beleza viva que a fazia transportar-se sobre outra natureza morta, as muletas, hem!? Valia-lhe ao menos a inteligência, a força do querer, a sua Independência como mulher.

Regressamos. Contou coisas pelo percurso, Há dois meses Gabriel dilatou-me o útero, fecundou-o. Difícil tem sido a minha gravidez. Ultimamente tive problemas em casa da minha mãe. Sabes, sou filha de pai vadio, repugna-ma saber que aquele sindicalista da merda fornica a minha mãe. De Marinho seu nome, recusou sempres qualquer tipo de contacto, promiscuo mesmo. Alem de lhe recusar respostas a perguntas dúbias que ele insistentemente fazia. Nunca as entendi. Entendi sim a força dele quando levei um murro num seio. E tudo Isso partiu duma discussão com base em política. Chamei-lhe revisionista, renegado.

Palavras últimas que meses mais tarde eu entenderia, Aprendi bem com a esterilidade verbal entre Partidos pró Leste e grupos dissidentes mais à esquerda.

Nunca mais tive sossego, Crescem-me agora dois caroços interiores na mama esquerda, -me saber de piores dias. Mas tenho que a cortar, completa.

As lagrimas bordejavam-lhe os olhos. Confidenciou-me depois que fora expulsa da Faculdade por questões políticas, acções consideradas atentatórias à segurança do Estado, concluía a nota a ela entregue pela Reitoria.

Quanto a Gabriel que ficara na quinta afocinhado em estudos, dizia, é um devasso. Vê lá tu que nunca deixou de beijar os meus seios após a desgraça! E o atingido percorre-o com os lábios como um louco. Tenho dores horríveis, ele sabe. As nossas cenas de amor que se metamorfoseiam em actos de puro sado-masoquismo. Não é que desgoste…É um gozo, diz ele que não faz mal, que a água dentífrica dissolve tudo. Mas quem não dissolve a nossa relação sou eu, sou uma louca por ele. Também tenho momentos de libertinagem, como sabes querido Manel. E depois tem a mania de associar metáforas com sabor a sexo em discussões políticas. O que lhe valeu já ter sido avisado em reuniões com a célula, que seria irradiado do movimento. Contudo, particularmente, gosto como a forma em como assume a nossa gravidez. Deseja este filho com mais força do que eu, confesso. Não, não é pelo facto de ser aleijada, o raquitismo, creio, não é hereditário. É que não me entendo. Tolices…

Ao Manel rocei-lhe um beijo na face, rechonchudo, tipo ventosa, com algum ruído também. E fizemos o resto da viagem de volta, impregnados dum silêncio incomportável, dum fastio comprometedor de qualquer coisa que tivéramos feito.

Chegamos. Encontramos o restante gado com palha  nas mandíbulas, atirada da corte por Gabriel. Disse este que é salutar as relações com os animais. Que aprendera muito acerca doutros modos de vida. Porque desta, disse, conheço bem o peso dum corno mentalizado para o ser.. Eu não quis entender bem aquelas palavras accionadas por um arreganhar de beiços amarelos.: E poderia não fazer caso dessa alteração verbal, ele é sempre assim. Talvez  esse ar pestilento tenha que ver com o facto de ele ter remexido na merda no seu curral, retorqui, em silêncio.

Um bom jantar de despedida, e na madrugada seguinte rumaram no sentido do Porto.

Nos dias subsequentes não mergulhei naquele pesar em que qualquer incauto amante fica., após  uns dias de contacto íntimo. Da política ainda era leigo, mas de questões amorosas, por elas já calcorreara com óptimas lições. Demais a mais os dois eram meus amigos. E quanto a Susana, sei lá se a sua ternura não fora a paga duma gratidão de tudo quanto fizera por  ela naquele dia 1 de Maio /73?!

Os meses seguintes para mim foram importantes. Nascera em mim o entendimento sobre lutas políticas. Politzer deixado sobre aquela estante por gabriel consegue dissolver a névoa que eu tinha nos olhos. Aquele manual distingue-me o que era o conceito de classe. Não eram só aquelas da escola primária, que o regime de então nos fazia  crer existir. Apercebia-me da união entre forças que podem transformar o mundo: aí estão as classes organizadas  em partidos políticos. Partido que, embora divergentes nos seus objectivos, podem, pontualmente, liquidar um regime ditador, colonial, ou, em democracia, o partido no governo, A consciência, a luta clandestina, a solidariedade entre povos e principalmente a miséria dum povo, porem organizado, faziam parte do motor que desencadearia qualquer Revolução ...

Mais alguns meses, e estronda o 25 de Abril. Percorro lugares comuns próprios do frenesim Inovador. O Prec. avançava. Manifestações, encontros dinamizadores com os homens do M.F.A. Créditos em políticos acabados de chegar do exílio. Não me importava que o negócio corresse mal. Até porque as fronteiras estavam mais vigiadas por motivos de diferenças politicas entre os territórios  da Península. Dediquei-me algum tempo na criação de porcos e galinhas, facto constatado pela deficiente alimentação que o povo vinha começando a sentir.

E o mundo é pequeno. Deslocara-me a Viana do Castelo e ai ouço falar dum traidor, bufo da pide, chamado Marinho, que agitara convulsões em varias fábricas para depois entregar à polícia politica aqueles que mais se revoltavam contra a situação estabelecida. Bem tinha razão a Susana, o gajo era um escroque. Foi preso apos o 25 de Abril.



II


Estávamos algures na revolução.

Recebo carta de Gabriel, correspondência  que já não recebia desde aquele pequeno incidente com Susana. Estranho, são breves as palavras. Viria cá no próximo fim de semana.

Susana desapareceu, diz-me. Em Setembro/73. 0 comité tinha decidido uma operação Importante: esconder armas G-3 roubadas ao Exército aí para os lados de Braga. Pelo detalhe ocular de alguns, que dias depois procurei, diz ainda, tudo foi um horror. As armas nem ousaram saltar para a terra. Apareceu de súbito uma forca da G.N.R. e os pides. Tiroteio, pancada e fuga por entre as árvores da floresta. Dois deles não conseguem fugir: um activista de raiz operária que, por sorte nossa, injectado no forte de Peniche na instrução do processo, não deixa escapar alguma denúncia. Morre ai de bronco-pneumonia. Outro, a Susana, ficou-se por terra abraçada a sua inseparável e Insensível muleta de madeira. Calcaram-na os filhos da puta, Desfizeram-lhe a cara linda. Perguntas, mais questionários, e um arrogante não, que eu, contudo, sempre lhe apreciei. Ousaram mesmo esticar-lhe a perna doente, aquele membro inestético que nunca ultrapassou o nível do joelho da outra, Depois até lhe [oram nas entranhas, apesar da sua gravidez; esses torcionários.. Nada mais constataram os camaradas que, enquanto fissuravam os matagais no breu da noite, lançavam palavras de ordem. Como as tuas, digo eu, tu és como eles, és um revolucionário de  gabinete, um burguês a quem o pote apareceu sempre debaixo do cu. E que fazias nessa noite, hem!? Continuavas a ler as cartilhas políticas e livros pró Leste que o regime de Caetano permitia vender? Tenho pena dela ... Gabriel rumou ao Porto.

Dizer que alguns homens do regime fascista não tinham sentimentos é pura ficção. E que não falavam ternamente muito mais. E dizer que não tinham família que os acolhessem, pior ainda. Mais velho do que eu, tive um no clã. Um velho chefe de carcereiros de Alcoentre. Solteirão, sempre visitou os meus pais. Também tinha a sua cota parte no negócio. Desde novo o acompanhei  até às raias em negócios. Tratava-me como um filho, embora fosse apenas seu sobrinho. Dinheiro, prendas, gelados e carinho dele recebia, às vezes contra a vontade dos meus pais. Estes deixaram de a ter assim que entregaram a alma ao criador. Tutor ficou até eu atingir a maior idade. Bom homem para mim. O mesmo não acontecia com os seus presos. Impunha-lhes a repressão do Estado. Sovava-os, accionava-lhes castigos fortes, repressivos… E não é um paradoxo querer entender isto!? Talvez o facto de correr nele a larva homossexual fosse impulso do seu despotismo e servilismo dum regime putrefacto. Homens desses são tigres de papel, molham-se com água e a figura tenebrosa volatiliza-se. Talvez esse meu tio em cada gesto bruto e violento contra qualquer incauto presidiário, desejasse, contudo, no seu âm ago uma paz de espírito saudável materializada na sua permeabilidade anal. Enfim, um dos retratos irrequietos de gente forte do regime de então. De momento a revolução atravessava um período particular de instabilidade. A sua definição nominal desaparecia ao longo dos meses. Por exemplo: que fazer a carrada de presos políticos agora alojados na instância balnear de Alcoentre?! Sabia-se o quão de liberdade usufruíam esses tentáculos do fascismo, atrás das grades da prisão,

Pois aquele encontro com Gabriel incomodara - me bastante. Não lhe queria perdoar o facto de não ter sido informado na altura do desaparecimento de Susana. Por outro lado supus que ele ainda estava zangado comigo. Sob os factos mudamos de opinião . Afinal tudo muda. A própria revolução se transformava num banco de ensaios políticos. E porque de política falei ao criticar meu amigo, é ter olho de sapo, é não entender que as modlficag5es atingem os sapiens-vivos pelo flanco que menos resguardamos, ou seja o plano do nosso obscurantismo metafíslco. Gabriel era um político, actuara sempre na clandestinidade, mas, de peito aberto na rua. Depois, como os demais intelectuais que lutavam contra  regime, recolheu ao bafo doentio dos gabinetes e aí vomitava esquemas e análises que abalavam a polícia política. Aliás, a propósito, fazia como os demais políticos que, acabados de arribar ao pais após 25 de Abril, prometeram o novo sobre os escombros do velho.

Mas deixemos a revolução, Se houver história no futuro, esta falara dela. Contudo até os fascistas mudaram de cor. E o meu tio apanhou a corrente  do leito. Pois antes da fuga dos pides de Alcoentre, o velho ainda ao serviço veio cá ao Norte. Trouxe como sempre amizade. E desta vez notícias, Fugiriam dentro de dois dias elementos da polícia política. Alguém próximo do governo conduzia esta a operação, Depois o mais Importante, sabia já quem fora o pide que fizera desaparecer Susana. Que na prisão ouvira comentar esse tipo num grupo de três. Não podia haver dúvida. A descrição que o velho fazia dos factos dessa noite de aziago, correspondia àquilo que eu próprio ouvira de Gabriel e lera sobre umas mãos tremulas, num panfleto, anunciando 0 desaparecimento da rapariga. A denuncia clandestina falava num tal Meneses, que se evidenciara a espancar Susana. Esse panfleto mandei-o então ao meu tio.

Indicou como seria possível imobilizar ° autor do sumiço da rapariga. Participava ele também na fuga. E uma vez cá. fora havia colaboração dum familiar de Rio Maior. Era este um insigne informador da pide. Lavrador abastado, dono de longínquos terrenos usurpados por partilhas meias-travessas, então empregava à jornada largas dezenas de trabalhadores rurais, Trabalho pesado, pouco ganho, palavra muita e eis pide a porta pela madrugada. Pois esse lavrador, por sua vez familiar dum conhecido vociferador politico, acoitou seu afilhado, 0 Meneses, após a enxurrada de energúmenos que brotou à liberdade.

Rápido enviei um telegrama a Gabriel. Dentro de dois dias passaria no Porto.

Mais duas rotações da Terra e deu-se a fuga. E na estrada circulávamos já rumo a Rio Maior: Gabriel, o meu tio, que aproveitava a boleia e que nos proporcionaria determinados pormenores do golpe, e eu, sempre prestável para tudo.

Não grunhia o radio outra coisa senão o motivo que nos acelerava. Na estrada o movimento da G.N.R. era intenso. Mandaram-nos com  stop. De início um olhar desconfiado para dentro da viatura; depois uma amabilidade sobre uns olhos duros, porém conhecidos.

Estacionamos junto a uma quinta. Meu tio parte, entrava nessa noite ao serviço, Os dois tínhamos já a garantia que o agente se acoitava lá dentro. Se muitos deles tinham fugido no sentido de Espanha, este, como alguns, no pais ficou; derradeiramente não tinha hipótese de ir longe. Sorvedor de álcool, namorava-o a cirrose. Em detalhe era conhecido o seu estado aparente; era aquele muito inchado na pança, e de pele escura, palavras precisas dum velho muito meu amigo. 0 esquema que saltitava nas nossas mãos, definia a radiografia do interior da quinta. Bons tempos para o velho, comer era à farta a convite do rural. Germinam as desa-venças... apenas uma cacetada pelo cu na palha do celeiro, ah moço bem abonado em brasa, e acabam-se os convites de domingo e as orgias gástricas.

Algumas palavras lembrando o passado, a infância... e a noite ia já  Longa. Galgamos o muro alto da quinta. Há que correr, as traseiras da mansão esperam-nos, Trepar, é fácil. Divisamos facilmente o pide no quarto. Dormia, Na sala grande os gonzos do relógio grande estrebuchavam. Era então o momento próprio para saltar sobre  cirrótico, não  fosse alguém estar  acordado, e correr-nos a tiro.

E ai está. Há  gente que é violenta por inerência à sua estrutura interna. Gostam de espancar os Inválidos, queimar com pontas de cigarros os olhos da vitima em questão, Ou chicotear lombos até que a carne se grete e depois salpica -Ia com sal. Da vitima não interessam os seus gritos... Há outros, porém, que atentos à esperada cronologia dos factos, aceitam sem maldade, por exemplo, quatro bordoadas de marmeleiro numa cabeça que dorme. E a dor, abafa-se pelo badalar dos gonzos do relógio. E umas mãos apertam um pescoço, facilitando, contudo, uns pés que sacodem uma pança dilatada na zona do fígado.

Exijo-lhe que diga o local onde fez sumir aquela revolucionaria coxa, largos mesas antes do 25 de Abril, lembro-lhe. Recusa aderir... e não berra porque ainda lhe amacio o pescoço. Os pés de Gabriel amassam de novo aquela panca, que ofaz borrar de merda conforme indicação do cheiro, coitado.

Aproximava-se  alvorecer e o porco ainda recusava. Muda-se de táctica. Outro aperto mais forte na cabeça do gajo, e este recolhe a consciência para dentro. Levamo-lo para fora da quinta, Por ali de viatura andamos por quelhas e vielas galgando tufos de erva e poies de merda. E nesta fica o proscrito que à coca e ameaça de morte vomita informações válidas e rascunha um mapa,

 Ao abandono ficou e foi recolhido pela G.N.R. Juntaram-no mais tarde a alguns que não conseguiram respirar o ar «puro» do regime franqulsta. Dizia Gabriel que Sísifo removeu pedra. Eu removi alguns calhaus na mente para entender de momento como seria possível encontrar naquele documento subtraído à forca, um nome conhecido; o Marinho. 0 tal sindicalista que, conforme disse  pide, sabedor da forca revolucionária de Susana, por motivos vários teria denunciado a operação em curso naquela noite de aziago para o comité, aliás já a rapariga me confidenciara de dúbias perguntas que ele lhe fazia. Detestava-o e com razão. A retaliação não foi difícil. Preso por ser informador, sairia a breve trecho de Caxias. E uma espera bem rígida ele a encontrou de noite aqui pelo Norte.



III


Já se sabe  como escava a toupeira. Penetra na terra e não precisa de mapa. A sua orientação geográfica serve-se apenas dos escassos sentidos que tem. Coisa que para Gabriel e eu, cegos que não somos, era-nos  impossível determinar sem mapa o local onde possivelmente se encontraria Susana. A acreditar no dito, faz-se a traçagem do terreno. Um muro aproximado de 10m de comprimento faz de cateto dum triângulo desenhado. Temos então a base dele à esquerda, por onde percorremos dois passes e agora em frente a 90° até encontrar a hipotenusa. Pronto, aqui está o ponte da escavação. Inicio o corte no solo, vibrando a picareta. Cortar a terra, cortar ... eis que encontro a 1 m de relevo qualquer coisa. Exala um fedor estranho, Parece provir de carne podre, insuflo a ideia. Devem ser apenas bifes desnaturados de algum talhante que não os vendera, digo-lhe. Mas não, eram ossos e dois crânios de cães podres. Desisto, saio fora do buraco. Então fez-se luz nos olhos de Gabriel. Salta para cima dos ossos, e ali mesmo apanha, apenas, uma prótese de plástico familiar quase submersa sob aqueles escombros. Aninha-se. Levanta-se e de dedo apontado grita-me - Susana esta aqui debaixo. Ah malditos, mataram-na e puseram-lhe cães mortos por cima ... - Agora já não era precisa qualquer ferramenta, aquele seio de plástico dizia-lhe estar já perto do corpo. Remexe, aparta aquele Impeditivo monte de ossos pendurados uns aos outros por chaços de carne com pelo. Eram pretos os animais, mas mais escuros estavam os nossos corações.  A vista, sob os nossos olhos Incrédulos, aparecem, cruelmente, outros ossos, as ossadas da nossa querida Susana. Fico fixo. Contudo os nervos faziam-me tremer na 'borda daquele lúgrebe buraco. Gabriel não perde tempo. E ai medi realmente a profundidade do amor dele por ela. Desata a lamber sofregamente aquelas ossadas, não sem deixar de produzir gritos histéricos e estridentes, o que arrepiaria qualquer boi vadio que de momento passasse. Não importa o fedor intenso naquela fossa de morte; ele guinchava de alegria que nem um cão doido que encontra o dono perdido ao fim de longo tempo de separação.

A cabeça ainda se conservava bela. Com menos pele, nalguns pontos rareava. O que permitia ver a entrada e saída de morcões e bichos sapateiros, A dentadura postiça, essa que tanto amor fizera com a dele, sempre que os dois as pousavam em copos de agua no acto próprio de se lamberem um ao outro, segundos antes da fornicação. Não pode haver dúvida, é Susana.

Os cabelos pretos quase estão intactos, Neles escorre óleo dissolvido em terra, que nojo. Gabriel acaricia-os. Da roupa só há  restos esfrangalhados por entre aqueles Infindáveis ossos. Há carne ainda dispersa pelo corpo. E a dos lábios chamam-no, carne também do meu sexo, carne libertina e lânguida aberta sobre meu corpo. Ele beija-os com profundidade. Levanta depois cuidadosamente a cabeça e restantes ossos ligados entre si por filamentos que resistiram à acção da terra. Agora, cara com cara, beija-a de novo em pé no buraco, Não importam os bichos que brotam das entranhas e saem por zonas cavernosas no pescoço e pe1as fossas nasais.

Não importam os relevos de milhares de roedores de carne, que ele diz fugirem pelos inter-sticios daquela pele outrora macia e odorosa.  Ah, que loucura reencontrar um ente querido ...

Acabo com aquela maceração. Salto para a cova e chamo-o à realidade. Há que partir. Há. que içar o corpo e enfiá-lo num propositado esquife. Este é levado para a viatura. Carro carregado, alguns 20 quilómetros, e há que rumar com o cadáver para a quinta.

Decididamente autorizara trazer o corpo para aqui. Um sonho de Gabriel poderia materializar-se. Ininteligível para a minha pessoa, decidiu ele deixá-la desfazer-se em tempo de democracia.  Sim, enquanto o regime durasse.  Dizia ele, tem que se render homenagem a uma lutadora, a quem o Estado português não decidiu descobrir o seu paradeiro e prestar-lhe as devidas exéquias. Fenómenos que não tem faltado por aí, em que contestadores de outrora, agora não passam de porcos, os quais só chafurdam em gabinetes bafientos. Vai mal a saúde do nosso regime… E muitos destes que injetam decisões nocivas no aparelho do Estado, esmagando o povo, pelo qual se penduraram nas suas propostas eleitoralistas, são mais putrefactos que este cadáver que ali atrás salta no caixote. Armam-se em sacrários inatingíveis, a eles, só a eles é atribuída a verdadeira sensibilidade de necessidades deste povo a que pertenço,

Esta lutou por um regime desinfetado de corruptos, que então despojados deixaram porém sementes hibridas. Grassam já; desde o doutor, que contestava o regime no Parlamento fascista, ao miserável que por melhores dias atafulha de presuntos os buchos das fontes de ilegais favores. Susana lutou (como outros a quem a televisão, jornais e organismos de estado não conhecem as moradas) na clandestinidade, pela ideia de termos um país onde as árvores possam crescer, as crianças medrar, os adultos viver e os velhos, se é que o são, não perderem a esperança de acreditarem nos novos. Porém, não lutou agregada a partidos amigos de blocos militares que se degladeiam na digestão atómica do Mundo; não chamou a si, porque foi, a liderança, a agitação dos estudantes de Coimbra quando então vaiaram o chefe de Est ado.

Ah Manel, a Susana terá a sua justa homenagem, Pode não ser justa aos olhos daqueles que detestam aleijados. Poderão pensar que ela não quantificava em si os elementos puros, estéticos e físicos que devem constituir um ser revolucionário, que ela não deveria assumir essa personalidade apenas por elementos compensatórios de alguma desgraça, neste caso, raquitismo ... Há ainda muito miserável que pensa assim. Mesmo que isto fosse verdade, o que conta é a tomada de consciência, depois o restante e mesmo aparente, como é a nossa democracia que entretanto enferma.

Ultimamente a minha casa sofrera obras de restauro, principalmente no tecto e telhado. Finda as obras uma moleza confrangedora impediu-me de desmontar a prancha das obras. Apoiada  sobre  quatro barrotes  a altura

de 1,70 m, a sala esperavas melhores dias. O que acontece. Não fora por acaso que Gabriel atinga 18 valores no curso final de engenharia. Então, chegados dessa pequena viagem, toma ele toda a coordenação das ações decorrentes. Enquanto o corpo de Susana repousa, dá voltas a quinta como se soubesse exactamente  que ia fazer. E lá. decide. Pede um serrote e abre um buraco na triste prancha. Há que buscar o caixão. Tampa aberta, e solicita que eu colabore… Ajudo-o a elevar o corpo de Susana para cima do estrado. Saca um vestido de cetim branco do seu saco de viagem. Depreendo que tenho que  ajudar a vesti-la. Pronto já está. Servindo-se da roupagem, Gabriel arrasta os ossos até à abertura rasgada. Lê  na minha expressão vítrea que não entendo  Diz-me: então não entendes que tudo isto faz parte da engrenagem? Aqui hão-de acontecer as devidas exéquias a esta lutadora. Não entendes que este buraco deve ficar a tangente do corpo dela, pelo qual passarão cabeças por mim escolhidas!? Comeram-lhe a carne hem? O seu corpo será lambido, dissera alguém, ManeI. Mas, Gabriel, que horror! Calma, continua, isso será na devida altura. Quem lamberá, queres saber, hem!? Então achas que te incomodaria se não houvesse precisão no que devo fazer?! Não, de modo algum tu merecias isto sem programa definido. Deste consta rapto de políticos sedentos de poder, que a trombarão até à eternidade. Um a um virão aqui prestar-lhe a homenagem que ela merece. Aliás até será mais um esgar de agradecimento por estarem na estrutura do Estado. Para isso lutou ela e pagou com vida. Por isto tratei de tudo. Organizei um comando operacional com armas desviadas por elementos importantes no exército. O que não foi difícil; esta coisa da descolonização em África descontrola qualquer contabilidade exacta de espólio. A esses políticos obrigá-los-ei a limpar as Impurezas deste corpo. Não será. um trombar erótico, ou um roçar rápido cuja distância entre a língua e a zona a atingir se processe num valor aproximado de 0,3 de milímetro. Nada disto, é um actuar com ritual, respeitoso; como se ai existisse um confessionário de culpas e traições.

Gabriel parecia demoníaco, um louco nestas descrições. Pensara eu que sempre o conhecia desde a nossa infância. Mas o mundo é cruel, tolhe as pessoas. E aquelas que nos mais afectam  sofrem transformações sobre as  nossas pálpebras. Também eu mudei. Se assim não fora como  entenderia!? Todos os seus gestos eram já mecanizados, dominados por saga doentia, mas, confesso, concertantes com as palavras. E estas completam o quadro. Tornarei este habitat incandescente. Ali, nos quatro cantos serão colocados reflectores que encandearão qualquer rato que por aqui apareça. Uma coroa de espinhos esperara  meu ser amado. Será colocada na sua excelsa cabeça. E aquele cetim branco, reflectindo a luz diáfana das lâmpadas, dar-lhe-á o travo aparente duma noiva que morrera virgem. Ah, será tocado o hino nacional em presença de cada político. Será então aberto o vestido, descerá   a língua de cada um sob a coacção das armas, e a mão direita política passará por fora das tabuas ao encontro da perna doente. Por fim serão concluídas as exéquias e a perna doente fara tocar ao sino, um sino deveras necrófilo, porém festivo, no qual Susana será o corpo principal e a língua escolhida de limpeza será o badalo que toque e faça timbrar este corpo bendito ...



IV


Alguns anos passaram e a Revolução subsiste. Eleições, governos sucessivos, presidentes, naipe de políticos…, e tudo se define. Miséria muita; paulatina, mas violenta; é a abertura do ângulo que afasta os ricos dos pobres. Paradoxalmente gozam estes menos prerrogativas comparadas com aquelas que usufruíam antes do 25 de Abril. Não exactamente pelos quantitativos mensais, não por já não mandarem os seus filhos para Africa; não por não terem liberdade métrica. É sim pelo engano a que estão votados, pela usurpação social do seu estado económico, pelo açambarcamento dos seus votos, pela polícia que lhes mandam quando refilam. Também estas esperas  regime fascista lhes fazia. A história é recente, elucidará qualquer Incauto que deseje tomar consciência destes fenómenos. Mas pode acontecer que sintam também as minhas preocupações. Triste conceito tenho, agora que escanei a consciência àcerca da sorte deste povo. Também quase me sinto defraudado em ter conhecido Susana. Não como mulher, não como revolucionaria, não como fortuita amante, mais pelo seu ideal que, incompleto para mim, contudo arrastou-me para esta minha profunda agonia,

E a política é assim, Enquanto uns vão perdendo as linhas virtuais da Revolução, outros estão quase satisfeitos com o possível desfecho dela. Prepararam-se, souberam ter paciência. Mudaram de cor conforme as flutuações políticas do poder. Força que a estes lhes enche os cofres abertos na altura das incomensuráveis fugas para o estrangeiro. Esperam hoje no escuro da noite o Messias salvador da peste branca, ou algum D. Sebastião que tenha regressado de Africa ... todos estes fazem parte do povo lusitano, é certo, mas não é só com eles que opais vive. Há a imensa maioria anónima. Simples hospitaleiros, cegos apoiarão qualquer arguto que se diga carismático. Do clero receberam já o dom de perdoar sob tempestades rígidas os erros dos pretensos libertadores, então já fugidos para o estrangeiro, ou encapoeirados nalguma embaixada amiga. Porém, agora, e do presente que se vive, não perdoarão esses bandos armados que assaltam bancos e matam agentes de autoridade. A não ser que a miopia cultural, herdada do regime deposto os façam entender a forca da lei, lei que já  prendeu Gabriel Fernandes, e que se encontra ainda sem julgamento. Também a este não o condenariam, se entendessem que a  violência gera a sua comadre; e se apercebessem que esta percorre os canais sanguíneos duma espiral que não termina nem no mais infinito. Eu, nem por ser ainda traficante de gado deixo de pertencer a este povo. Sou ao menos um cobarde, afasto-me dos conflitos sociais, além de tudo sou cagarola, e abstenho-me de berrar ao mundo que a política me mete nojo. Mas  delactor não  o  sou, provo-o ! Guardo comigo o segredo da sorte de Susana ,que ainda ali padece.

Logo após a prisão de Gabriel, impunha-se dar sumiço ao corpo de Susana. Pensei mesmo levá-la de noite para  cemitério e enterrá-la no jazigo dos meus pais. Azar meu e dela também. Acontece que entretanto torna cargo o 1º  guarda nocturno nesse longinquo e tão perto lugar, Situação já prevista. Estava na hora de acabar os roubos de cadáveres frescos. Constava¬-se para ai que eram vendidos a peso a um Instituto Anatómico.

Permiti pois, a Susana, uma letargia sem incómodos durante alguns anos .

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Ontem não aguentava com os latidos do ministro. De focinho na porta da sala fúnebre não arredava pé. Junto as suas patas fluía uma viscosidade estranha, pegajosa… Estranha intuição arrepia-me, eram horrorosos os meus pensamentos... as minhas premunições. Aquele líquido continha o mesmo cheiro a alecrim que o corpo vivo de Susana então fazia fluir. Abri a porta. Acendi a luz, tudo era dantesco, A luminosidade incandescia-me em múltiplas cortinas de teias de aranha. Logo sou embatido por uma esquisita bafarada, que tolhe o meu cão e o põe em fuga.  Que até aterrorizaria um morto, Mas para uma morta avançava eu. Um ser inerte a quem ratos roíam até a minha aproximação.

No soalho 0 visgo humano caia do palanque. Formava fios constantes, translúcidos, e atravessavam densas teias de aranha. Alguns guinchos ouvi ainda, seriam os ratos na disputa de carne.

Subi ao estrado. Estava em frente de Susana. Abro o sudário literalmente roto e ungido de pó. Agora o corpo esta quase reduzido a ossos, alguns dos quais roídos pelos rates, Apenas mantem-se alguma pele sobre o ventre.  Agride-me uma deformação ali dentro. Mas entendo. É que  a história e cínica. Susana que apodrecera em paralelo com a democracia deste pais, pais que já não fecunda a não ser miséria, corrupção e violência do poder, assume agora um filho, o filho de Gabriel.

Rebento que impõe a sua autonomia. Um-braço  decidido rompe o ventre fraco e desnudado, De mão aberta, braço esticado, lívido, aos meus olhos esbugalhados parece que se agita vivo planando como se fosse a última pomba da liberdade.

Virgílio Liquito (Porto. Portugal)
Publicou alguns livros em prosa. Participou em revistas (Última Geração e Pé de Cabra), então sediadas no Porto. Colaborou com poemas nos eventos de Versos Soltos, em Espinho. Participou Em Filo-Cafés em Portugal e Galiza. Colaborou na Porta Verde e regularmente no Círculo Poético Aberto, cujos eventos têm sido lavrados no café Uf, em Vigo, Galiza.
(Publicado em Elipse 2, 3, 4 e 5)